26.12.07

Confissão

Sempre achei legal dizer para as pessoas que não imaginava aquilo que elas estavam sentindo ou passando em um determinado momento. Para mim, isso era uma maneira de ser consciente do problema alheio, já que, como não era comigo, seria impossível saber ou sentir algo parecido.

Continuo dizendo isso e pensando dessa forma, no entanto, percebi que essa maneira de agir pode simplesmente revelar o quanto medíocre eu posso ser. Não num sentido ruim da palavra – se é que isso é possível -, mas essa conduta pode expor que não vivi muita coisa para saber como é estar “naquela” situação. Seria uma ausência de sentimentos e emoções, um vazio, e não uma técnica psicológica avançada, como sempre achei.

Óbvio que tenho algumas ressalvas comigo mesmo quanto a essa conclusão, mas não posso deixar de levá-la em consideração. Confesso que não concordo totalmente com ela, e fico brigando com meus pensamentos o tempo todo por conta disso. Só que, por outro lado, também não posso ignorar a possibilidade de ser a mais pura verdade.

O “não imagino” para mim sempre teve um significado muito grande de compreensão ao problema daquela pessoa. Quando estou puto com alguma coisa, a última coisa que quero ouvir é “ah, eu sei como é”. Mentira. Ninguém sabe como é aquilo que você está passando, porque as pessoas são diferentes, na essência e culturalmente falando.

E é justamente aqui que minha tese, ao lado da antítese, se encontra. Penso dessa forma porque isso realmente é verdade ou é uma falha de formação sentimental única e exclusivamente minha?

Para cada ocasião/problema/vitória/derrota existe uma reação. E ela nunca é igual. Cada um reage a sua maneira, expondo uma série de variáveis que constituem aquela pessoa como ser humano.

Diante disso, e viagens à parte, vou continuar dizendo “não imagino” para as pessoas, porém, sempre que o fizer, ficarei com a pulga atrás da orelha.

19.12.07

Carta

Se não me falha a memória, eu tinha sete anos na época. Lembro-me de ter acordado muito, muito cedo, por volta das 5 horas da manhã. Acho que era a primeira vez que saía da cama naquela hora. Apesar de achar a novidade boa, no início foi difícil vencer o sono. Com certeza – apesar de não ter muito claro na memória – devo ter tirado um cochilo no caminho, já que o destino era bem longe.

Em determinada altura do caminho, lembro dela servindo Nescafé em uma daquelas garrafas térmicas coloridas. Eu nunca gostei da bebida, mas o marido dela sempre a bebera. Durante o trajeto, na cabine do caminhão, tudo correu bem. Ela, como sempre, tinha o sorriso fácil e era muito falante. Confesso que não recordo os assuntos, mas foram poucos os momentos de silêncio.

Estávamos na estrada quando, ao longe, deu para ver que um cachorro havia sido atropelado. Ao passamos próximo, ela virou o rosto, porque não agüentava ver aquela cena.

Esta viagem foi para Itu e até hoje lembro como uma das coisas mais legais que fiz na infância.

Entre tantas outras passagens, lembro-me dela na praia também. Eu, muito mais novo do que sou agora e começando a pegar onda, só tinha um pensamento naquela época: estar na praia, não importava como.

Quantas vezes chegava à casa dela em Boracéia, sem avisar, e era bem acolhido. O fato de ficar o dia inteiro pegando onda dava uma fome fora das proporções normais. Sempre que voltava para a casa, lá estava algo para eu – e quem mais estivesse comigo – comer. Tudo pronto e muito bem feito, ainda que o tempero e a forma de preparo fossem bem diferentes da comida que minha mãe fazia. No entanto, não sei exatamente se pela novidade no sabor ou pela fome mesmo, comia muito e de tudo um pouco.

Sei que poderia descrever muitas outras passagens com ela. No entanto, essas duas ocasiões servem perfeitamente para explicar um pouco o seu jeito, sempre sorrindo.

Infelizmente nunca mais verei essa cena, pelo menos não presencialmente, já que ela se foi. No entanto, tenho certeza que essa imagem jamais será apagada das minhas lembranças, assim como aquela viagem para Itu.

E – peço desculpas para aqueles mais próximos – é exatamente esse sorriso e a aura de felicidade que quero ter para sempre na memória, por isso não estou presente no último adeus.

3.12.07

Não sei

Tornar um sofrimento público é uma tentiva de amenizá-lo?

Roteiro de roliúde

Você sabia que as probabilidades de dar certo eram pequenas. Aliás, essa certeza caiu desde o primeiro momento em que você a viu, marcado por uma luz incrível sob seu rosto, cuja intensidade teve o mesmo efeito de quando você vê alguma coisa pela primeira vez. O sentimento de incredulidade diante da situação toma conta de você, porque aquilo é surreal demais para estar acontecendo. Não era a primeira vez que você a via, no entanto, naquele momento, você nunca tinha visto nada tão lindo.

Daí, as certezas do início foram caindo uma após a outra conforme você ia convivendo com ela. Até as coisas consideradas mais bregas – opinião sua, não dela -, tinham uma roupagem completamente diferente e era ótimo fazê-las, exatamente como manda o manual de relacionamentos da época da sua avó. Clichê? Piegas? Manjado? Quem se importa quando a mulher da sua vida está ali e tudo o que você quer é fazê-la feliz.

Assim como muitas coisas na vida, essa também não tem explicação. Você a ama e sabe que ela sente algo por você – mesmo que não seja na mesma intensidade ou da mesma forma. Apesar de tudo isso, as coisas não saem como manda o manual, o mesmo dos atos/frases/sentimentos clichês. Daí, quando você se dá conta disso, começa uma busca incessante por respostas e auto-avaliações com o objetivo de descobrir o que está errado. A esperança de salvar tudo e levar o relacionamento adiante é o sentimento mais presente.

Depois de tudo isso, você acorda e lembra que não a terá mais do seu lado, por mais que o sentimento seja exatamente o mesmo do dia anterior, em que tudo acabou, sem tirar nem pôr uma vírgula. O mais torturante é que junto desse aperto no coração, você sente certo alívio – se é que pode ser chamado assim – de que para ela essa é a melhor solução.

O fim para você fica com o gosto de decepção e de ter falhado. Mas, para ela, pelo menos é esse o pensamento que te consola, a situação representa o recomeço, já que finalmente ela está livre para encontrar o seu príncipe encantado, como sonha desde criancinha. Recorrendo mais uma vez ao manual, por ignorância nesses assuntos, você descobre que seu jeito e o modo de agir e pensar representam o anti-herói retratado nesses antigos manuais.

Ainda que em muitos roteiros de filmes, as mocinhas se apaixonem pelo vilão, no final, elas acabam ficando com o mocinho, porque descobrem que é realmente tudo o que desejaram, desde quando brincavam de casinha.

Ao vilão, que não tem nada de vítima nessa história toda, resta o vazio com o qual ele já está mais do que acostumado. Só que pensando em tudo o que aconteceu, ele percebe que faria tudo novamente por ela, mas somente por ela.