9.9.08

Avenida confiança

O cenário é formado por pessoas confiantes andando apressadamente com estilos bastante diferentes. Cada uma com uma confiança customizada, particular, mas que ao mesmo tempo acaba sendo igual a de todo mundo. Quando caminham, estufam o peito e empinam o nariz para emitir ainda mais certeza daquilo que são e estão fazendo por ali. O curioso é que, alguns passos à frente, quando já estão dentro do ônibus, espremidas como sardinhas em latas, a expressão continua uniforme, mas não mais de arrogância ou superioridade. Ali apertadas, as pessoas formam outro tipo de grupo, bem diferente daquele que constituam ali atrás. Neste momento, sobretudo no caso das mulheres, patricinhas, executivas, roqueiras, hippies, malhadas, modelos, normais - porque estas também têm vez ainda que não sejam necessariamente pertencentes àquela realidade - falsas largadas, quase bicho grilo e bicho grilo demais, simples ou estudante. Estas são apenas algumas possíveis classificações para as mulheres que andam pelas calçadas do metro quadrado mais caro do Brasil.

Quando estão ali, indo ou vindo, todas – aqui o feminino é para pessoas, não para mulheres - têm o mesmo olhar e uma expressão de confiança no rosto. Para quem não as conhece, parece que jamais irão ceder a qualquer tipo de pedido ou que podem ser frágeis ou indefesas em certos momentos. A exceção fica por conta de um tipo facilmente identificado no mar da confiança: as que estão só de passagem ou que moram longe e foram conhecer a famosa avenida. Estas não encontram muitas referências e pares nas demais pessoas, cuja vida é bem diferente da sua, imagina pelo menos.

Voltando a elas, com tantas tão iguais, igualmente belas e com pressa, a diferente é aquela que está parada, esperando alguém ou alguma coisa. Os que param – homens - também são vistos com desconfiança, já que ali ficar plantado segurando um ramalhete de flores não combina com o cenário da competição no mercado de trabalho, do trânsito caótico, das cobranças e males da vida moderna. As peculiaridades da avenida são tantas que até mesmo descrever um homem parado com um arranjo floral é tarefa das mais complexas. Em qualquer outro lugar seria fácil arriscar que ele está esperando a mulher da sua vida. Mas na Paulista não. Ele pode estar ali pelo homem da sua vida, por sua mãe, pai, tio, tia, sobrinho, primo ou mesmo por ninguém. Vai saber se ele não ganhou as flores de alguém ou outro alguém as rejeitou e o rapaz está ali, parado, sem saber o que fazer com aquilo.

Voltando à confiança é interessante observar que, quem não faz parte daquele cenário, se esforça para integrar a paisagem. Quando a certeza de ser tão bom naquilo que faz não é o suficiente para enturmá-lo à massa de bem-sucedidos, o jeito é apelar para o exotismo. Daí o ritmo da passada é menor e o pescoço não pára de trabalhar um minuto, já que tem de olhar para lá e para cá com movimentos nada suaves a fim de chamar o máximo de atenção possível, gritando para todos que tiveram tempo de perceber: olha, não sou daqui, sou um turista embasbacado com tudo isso a minha volta!

A tribo daqueles que caminha sobre rodas, bem ao lado do exército que marcha apressado, não é muito diferente no quesito seguro de si. O próprio carro já é uma forma de dizer em bom e alto som para qualquer um, o quanto a confiança faz parte de mim. Normalmente são grandes, imponentes, com motores potentes e mais uma lista de bugigangas, parafernálias e detalhes que, segundo justificativa dos proprietários, é para aumentar o conforto.

Há ainda aqueles que andam sob hélices, uma categoria ainda mais privilegiada. Entre as vantagens está a de não ter contato com o mundo real, aquele da maioria que está lá embaixo gastando a sola do sapato.
Todos os contrastes e contradições – assim como os presentes na estrutura deste texto - são apenas uma prova de que a tão festejada democracia misturada no meio da multidão só dura uma primeira olhada, bem rápida e superficial por sinal. A igualdade no discurso, igualmente no caso dos cariocas, que fazem questão de frisar que a praia é o espaço mais democrático do mundo, só serve para fazer tipo de intelectual preocupado com meio social em que vive.


Fora da massa heterogênea que se forma, tanto na Paulista, quanto em Copacabana, por exemplo, sobra apenas o aluguel atrasado, as contas penduradas na geladeira, as dificuldades da dependência do transporte público urbano, o esporro do patrão porque chegou cinco minutos atrasado, entre muitas outras situações conhecidas profundamente pela maioria da população, mesmo daquela que se mistura ali naquela avenida.