22.10.10

Joseph Tourton sem barba


Foi inevitável reparar no quanto os quatro meninos que entraram no palco eram novos. A primeira imagem que veio à cabeça é de adolescentes que acabaram de sair do colégio e foram para o Centro Cultural São Paulo fazer um show. Salvo engano e a luz baixa combinada com a miopia e o astigmatismo, três quartos da banda sequer tem barba. Não que isso seja indicativo de alguma coisa, pelo contrário. Aliás, a pouca idade também não muda em absolutamente nada o que os meninos apresentaram. Principalmente porque esse papo de prodígio quando alguém é considerado muito novo para o que faz é bullshit de mídia.


No entanto, ao menos para mim, a referência sempre foi – e continua sendo – os barbudos do Hurtmold neste tipo de som, que alguns chamam de post-rock, enquanto outros dizem apenas instrumental. Abre parênteses: Hurtmold é referência em muitas outras coisas também, mas não vem ao caso agora.


Tudo bem que os Tourtons podem ter subido ao palco com o jogo ganho, mas é impossível não perceber a competência com que executam as músicas do primeiro CD, que tem o mesmo nome da banda. Mesmo que boa parte da plateia estivesse ganha desde o início, foi engraçado olhar ao redor e perceber a expressão de espanto de muita gente que apareceu ali meio sem querer. Não tenho certeza, mas arrisco sem medo de errar que os desavisados deveriam estar pensando como aqueles moleques conseguem fazer tudo aquilo.


Estranho pensar que os garotos da banda, na casa dos 20 anos, eram crianças ou nem tinham nascido quando Chico fincou uma parabólica no mangue e mudava a história do Brasil, não só musicalmente. Não muito tempo atrás, outros meninos, também com 20 anos em média e vindos de Recife, agitavam o cenário ao apresentar nada de novo, mas com um CD que trouxe novidade ao mercado, ou ao que sobrou da então indústria fonográfica.


Como ainda é o primeiro CD da banda, é perda de tempo fazer análises e projeções sobre o que está por vir. No entanto, considerando o talento a humildade dos quatro integrantes, eles terão de ter muita energia para fazer o show inteiro e sair correndo para, eles mesmos, venderem o CD na banquinha montada ao lado do palco.


A foto emprestei do Flickr do jeracravo.

10.5.10

Mulheres de Verdade



A primeira surge vestida toda de branco, lembrando uma entidade da umbanda ou uma rainha africana. A voz firme e a postura completamente natural e segura do que está fazendo no palco deixam claro que o coração está nas músicas e na dança. Sem nenhuma parte do corpo à mostra, com exceção de um mínimo pedaço da canela, ela consegue ser extremamente sensual e gostosa de ver. Ela é Thalma de Freitas.



A transparência do vestido e o decote mais generoso é o figurino da segunda. Ainda na transição com Thalma, ela provoca e faz a também atriz se jogar aos seus pés, como quem desistiu de viver diante da beleza ou da dominação incapazes de ser alcançada por outra mulher. O canto é mais contido, mas nem por isso deixa de encher os ouvidos da plateia, assim como seus movimentos, que são uma espécie de balé para bases de samba ou reggae. Ela é Anelis Assumpção.



A terceira entra em cena deliciosamente deliciosa com um vestido preto curtíssimo. Na orelha direita o brinco com as cores da bandeira da Jamaica dão o tom de qual será o ritmo dominante nas bases improvisadas sobre as músicas conhecidas. Dançando com um “quê” desajeitada, com os braços soltos ao lado do corpo e os joelhos dobrando a cada movimento, ela domina a voz levemente rouca com altos e baixos ou sussurros e gritos. Ela é Céu.



As três cantoras, reunidas sob a alcunha de Negreskosis, deixaram o auditório do Sesc Vila Mariana hipnotizado diante do talento misturado à sensualidade e um show impecável, cuja banda, cenário e iluminação tornaram a apresentação épica. Um daqueles shows que você sai do lugar com a certeza de ter visto algo histórico.


Sozinhas ou reunidas, as três têm total domínio do que estão fazendo. Em cima do palco, cantando ou só dançando, elas demonstram que são mulheres de verdade, talvez num sentido mais natural possível da palavra, sem esse bullshit de mulher moderna ou margarina inventado por agências de publicidade.


Com talento de sobra para compor e interpretar suas próprias canções ou de outros, elas podem ser consideradas as frutas mais sofisticadas de uma feira dominada por mulheres melão e melancia. A postura firme, cujo canto e dança se complementam numa espécie de ciranda ensaiada, mas tão natural que impressiona, sem contar a incrível sensualidade da voz e dos movimentos sutis e leves, tornam Céu, Thalma e Anelis mulheres de verdade, que podem ser tudo aquilo que quiserem, desde mãe, esposa, namorada, cantora, atriz, dona de casa ou executiva. Ou melhor ainda: todas elas juntas.


As fotos afanei do Twitter da @karol_santos

22.4.10

Berlim 1

Acho que só me dei conta de que realmente estava indo para a Alemanha quando, do avião, vi os alpes na Áustria cobertos de neve. Ali a ficha parece ter caído de que realmente estava chegando ao velho continente.

Munique, a cidade onde fiz a conexão para Berlim, impressionou pela grande quantidade de áreas verdes, aparentemente plantações, que eram possíveis serem vistas do avião.

No aeroporto a polícia alemã é bastante rígida ou eu realmente tenho cara de suspeito. Ao entrar no saguão da conexão internacional um policial veio até mim e começou um interrogatório digno de filme de ação. Perguntou o que eu fazia no Brasil, o que estava fazendo por lá, se tinha dinheiro suficiente para o período que pretendia ficar, quanto havia pago na passagem e até de onde veio o dinheiro para isso. Dadas as respostas, e ele aparentemente satisfeito, me liberou para a imigração, que acabou sendo bem mais suave do que imaginei. Carimbado o passaporte, era hora de esperar o voo para Berlim, que atrasou mais de uma hora e resultou num chá de cadeira de umas quatro horas no aeroporto de Munique, cujas opções para se distrair não são muito atraentes, com poucas lojinhas e restaurantes.

Passadas as horas de tédio, desembarco em Berlim. Tudo certo com a bagagem e o primeiro espanto: o aeroporto Tegel, um dos dois que existem na cidade, é menor que a rodoviária do Tietê. Da esteira de bagagem, você passa por um corredor e já está na rua. Ninguém faz nenhum tipo de checagem de absolutamente nada.

Escolhido o táxi, rumo ao hotel. Segundo espanto: trânsito caótico. Tudo bem que esse é um mal que não é exclusivo de São Paulo, mas realmente fiquei impressionado com a quantidade de carros e a forma de organização do tráfego, com gente virando na frente de automóveis e semáforos por todos os lados. Comentei o fato com o taxista, contando mais ou menos como era em São Paulo, e ele raivoso começou a reclamar que os políticos alemães só querem saber de árvores e bicicletas, que deixam de investir em estradas e políticas que beneficiem os donos de carros. Tudo bem que consciência ambiental e de transporte público não é lá tão comum em geral, apesar de estar na moda, mas pensei que fosse mais avançada entre a população de países desenvolvidos. Claro que foi só uma pessoa que me disse isso, portanto, não dá para generalizar.


Kreuzberg

Cheguei ao hotel e o local, tanto o bairro quanto o prédio em si, pareciam ser bem legais. A imagem clichê de alguns filmes europeus, com ruas largas e prédios de estilo clássico um grudado no outro, veio à mente, porque Kreuzberg é exatamente assim. Reduto de artistas e outros movimentos culturais enquanto o muro dividia a cidade em duas, o distrito ainda preserva certo ar “alternativo”, com pichações e grafites por todos os lados, antiquários, bares e lojas de roupas que lembrar a rua Augusta, comprovadamente frequentadas pelos “modernos”. A imensa quantidade de bares e cafés reforça ainda mais o aspecto boêmio do local, tão citado em textos que havia pesquisado na internet.

Depois de deixar as malas no hotel, saí para fazer um reconhecimento dos arredores. Sem querer, descobri a rua mais bacana de Kreuzberg: a Bergman. Tomada por restaurantes, bares, cafés e lojas de todas as espécies, ela fica lotada de gente andando ou sentada às mesas nas calçadas, aproveitando o sol e os cerca de doze graus do início da primavera no hemisfério norte. Achei que o bairro, principalmente esta rua, uma mistura da estrutura da Vila Madalena, dos barzinhos, com o povo que costuma frequentar o baixo Augusta, com pessoas bem diferentes em aparente harmonia.


Andarilho

Como Kreuzberg é relativamente bem localizado, dando acesso rápido a várias partes de Berlim, optei desde o início por fazer todo o roteiro que havia planejado andando pela cidade. O transporte publico é ótimo e interliga todos os bairros, mas ainda assim quis andar e ver qual era o clima e o dia a dia nas ruas.

As longas caminhadas foram ótimas para conhecer pequenos detalhes, como um prédio de uns cinco andares totalmente grafitado, onde na parte de baixo funciona um bar punk.

Conforme ia caminhando mais me espantava com o tráfego, com muitos carros por todos os lados. Ainda que incrivelmente bem sinalizadas, para mim as placas e semáforos mais confundiam do que ajudavam, principalmente porque praticamente em todos os cruzamentos há faróis para carros, pedestres e bicicletas. Tem hora que fecha dois e abre um, ou o contrário, e você fica meio perdido para saber se, mesmo estando verde para você e os automóveis ou bicicletas, pode atravessar sem perigo.

Mas em geral todos respeitam os pedestres. Inclusive, no primeiro dia, dei passagem a um ciclista que me agradeceu à gentileza, já que eu tinha prioridade. Isso se repetiu uma segunda vez em outra parte de Berlim. A educação geral de todos é de dar inveja.