8.7.11

Eu e a música

Tentei escrever um texto sobre a peça, mas acabou saindo um pouco do rumo . . . mas enfim, ao menos está aí um pouco da minha história com a música!!!


Assistir à Trilhas Sonoras de Amores Perdidas, da Cia Sútil, foi uma verdadeira viagem por lembranças. O pano de fundo da peça são fitas cassete gravadas por um casal para diversos momentos de suas vidas, desde fita para dirigir até fita para lavar a louça. Conforme os diálogos andavam, uma série de músicas apareciam, de Primal Scream a Tom Waits, passando por Madonna e Stones.


Por uma questão de geração, muita coisa que tocou eu não conheço. Outras, tive contato muito mais tarde de quando elas realmente foram lançadas, como Nirvana ou Sonic Youth. Na verdade, a peça fala muito mais de amor, num sentido mais amplo possível, do que de música. No entanto, é perceptível como cada momento da nossa vida é marcado, ou possível de ser lembrado, por uma música. Aliás, isso para quem se relaciona com música de uma forma, digamos, mais ativa. Aqueles que simplesmente ouvem o que está tocando por aí não têm esta relação com bandas, discos e singles. Falo daqueles que consideram 1994 o ano em que Kurt cometeu suicídio, e não o ano do tetra ou da morte de Ayrton Senna. Ou para aqueles que 1989 foi o ano de lançamento de Disintegration, e não um dos mais importantes da história mundial com eventos políticos determinantes.


Foi curioso assistir à peça e começar a trazer à memória as bandas e lembranças ligadas à música. Nasci em 1983 e não lembro de muitos fatos musicais antes de 1990, digamos. Uma das memórias mais antigas que tenho é de uma fita cassete, comprada e não gravada, do RPM. Era "Rádio Pirata ao Vivo". Lembro de ouvir inúmeras vezes no carro dos meus pais. Não tinha ideia se aquilo era importante ou não, mas para mim, com três, quatro anos, não existia nada mais rock do que o Paulo Ricardo.


Na seqüência, graças aos vizinhos mais velhos, comecei a conhecer outras coisas do rock internacional. A fita cassete que eu mais gostava nesta época era .. And Justice For All, do Metallica. Me sentia muito roqueiro ouvindo isso. Alguns amigos preferiam Sepultura e Megadeth, mas eu não dei muita bola para esses dois, ainda que lembro perfeitamente bem da Globo passando o show do Sepultura no Hollywood rock de 1994, muito tempo depois de parar de ouvir Metallica e essas coisas mais pesadas.


Aliás, mais ou menos nessa época - perdoem a imprecisão de datas, é muita coisa para lembrar -, chegou em casa o primeiro aparelho que tocava CD. Era um equipamento à parte, que tinha de ser ligado ao aparelho de som convencional. O nosso era um double deck. O primeiro disquinho que apareceu em casa foi um do Richard Clayderman. Nem sei bem qual é o som do cara, mas o que resta de memória daquela época era algo tipo Kenny G - não vou googar para não atrapalhar o que tenho na consciência. Enfim, ele vivia tocando só pela novidade de ouvir a música em um formato diferente daquele que estávamos acostumados. Provavelmente nestes anos, assistia a um programa na Gazeta, aos sábados de manhã, de videoclipes. Não tenho certeza se era o mesmo Clip Trip de outros tempos, que as gerações mais velhas tanto gostam. Conheci Chemical Brothers neste programa, graças à repetição ad infinitum do clipe "Block Rockin' Beats".


Pouco tempo depois fomos, eu e minha irmã, com o aval dos meus pais, ao shopping para comprar os nossos primeiros CDs. Foram dois: Calango, do Skank, e Legend, do Bob Marley. Não lembro quem escolheu qual, mas compramos os dois meio que de comum acordo. Como o CD ainda era um produto caro para os padrões da época, pré-real, estes duraram um bom tempo, com ênfase para Jack Tequila e Is This Love, os dois grandes hits destes discos.


Lembro bem do dia em que o avião dos Mamomas Assassinas caiu. Não lembro do dia em que o Kurt cometeu suicídio. Isso me incomoda um pouco, depois de tantos anos, pelo fato do tipo de música que eu valoriza atualmente, mas enfim, as coisas são assim mesmo. O que me orgulha, se é que posso dizer assim, é lembrar com detalhes do dia em que Chico Science sofreu o acidente de carro que lhe tirou a vida. Não tinha ideia de sua importância naquela época, muito menos o contexto no qual tinha surgido e o que representava para o país e outros artistas naquele momento, mas adorava "A Praeira", porque tocava em alguma novela.


Daí em diante parece que há um hiato na memória ou algo que eu não faça muita questão de lembrar, porque não tenho muitas referências de música deste período. Confesso que não ia atrás de quase nada, e acaba ouvindo o que a galera ouvia, principalmente nas festinhas da escola, o ponto alto da vida de um adolescente de 13 anos para a minha geração. Banda Eva, Cheiro de Amor, Asa de Águia e mais uma penca de nomes estranhos do axé eram tocados e repetidos em todas estas festas. Nem preciso falar que o sucesso era total, sobretudo pelo esforço sobre-humano que eu fazia para tentar dançar e, ao menos em teoria, me dar bem com as meninas. Só de lembrar dá vergonha, mas enfim . . .


Posso dizer que fui salvo pelo surf. Pouco depois das festinhas regadas à axé music, comecei a pegar onda. Consequentemente, assistindo aos vídeos de surf do início dos anos 90, virei um viciado em hard core. Só conseguia ouvir as bandas destes vídeos: Pennywise, No Fun At All, NOFX, Bad Religion, Blink 182 e por aí vai. As viagens para ir surfar eram regadas à hard core na ida, para "inspirar" a performance, e de reggae na volta, para "relaxar". Daí haja Alpha Blond, Bob Marley, Gregory Isaacs, Inner Circle e outras bizarrices que não consigo ouvir atualmente.


Começaram a aparecer filmes mais recentes de surf e, com eles, uma avalanche de bandas novas. Lembro até hoje de ter ouvido Wolfmother muito antes de eles estourarem com o primeiro CD. Além deles, uma penca de outras bandas passei a conhecer por conta destes vídeos e também a começar a procurar coisas novas, ainda no finado Napster, com base nessas novas descobertas. Desde então acho que passei a conhecer um pouco mais de música, e comecei a recuperar o tempo perdido ouvindo Radiohead, Pixies, Kinks, Stooges, Sonic Youth, Smiths, Clash, Joy Division, Leonard Cohen, Mutantes, Primal Scream e mais um monte de banda das quais nunca tinha ouvido falar, mais que representaram, ou representam, bastante coisa para quem gosta de música.


Ao passar a conhecer tanta coisa também cheguei à conclusão de quem não entendo nada do assunto, em todos os sentidos possíveis. Por isso, aquela motivação para cursar Jornalismo, de ter de trabalhar com música - que na verdade significava escrever sobre - acabou. O jornalismo não. Mas passei a aceitar que não seria um profissional desta área, porque não tinha repertório suficiente nem conhecimento técnico para avaliar se um disco é bom ou ruim. A única coisa que sei sobre é o sentimento e a emoção de ouvir algo pela primeira vez e não parar por um bom tempo, sem conseguir explicar muito bem quais o motivos que geram tal empolgação. Simplesmente acontece.


Confesso, quase como um prazer inconfessável, que já fiquei feliz em ser chamado de indie. Lembro quando foi a primeira vez, mas isso não vem ao caso. Depois de um tempo se vangloriando por conhecer aquela banda de não sei onde que só eu e mais três pessoas sabem do que se trata, esse sentimento vai acabando. Hoje, quando ouço algo do gênero para tentar me colocar dentro de determinada categoria pelo tipo de música que gosto, o efeito é o mesmo que me chamar de qualquer outra coisa. É indiferente. Deve ser coisa da idade.


O clichê está aí para provar de que nunca é tarde para aprender, mas certas coisas acredito que ninguém consegue recuperar. Não cresci em uma família que valoriza cultura, em nenhum aspecto. Portanto, não tive contato com discos de vinis de grandes bandas na infância, como leio muita gente falando por aí. Não tinha nada dos Stones, Dylan, Neil Young, Novos Baianos, Mutantes, Caetano, Gil ou qualquer outro artista que tenha feito a cabeça dos pais cujos filhos são da minha geração.


Aliás, esse branco se estende para todas as outras áreas, como cinema e literatura. Mas só estou falando isso porque acredito que o fato de não ter tido contato com estas bandas, livros e filmes façam bastante diferença hoje. Nem é chorar o leite derramado, mas puta que pariu, quanta coisa tenho a "obrigação" de conhecer hoje que jamais passou pela minha cabeça que existisse. Ainda que eu tenha desenvolvido o gosto por ir atrás de coisas não muito conhecidas, ou clássicos que fazem parte da formação cultural "básica" de muita gente, é impossível dar conta de muita coisa, e o resultado é que falta esse contato histórico para entender melhor muito daquilo que gosto e valorizo hoje.