30.10.07

Encontro marcado (grand finale)

Essa história já deveria ter terminado faz tempo, afinal ninguém lembra mais que a maior autoridade católica esteve em terras tupiniquins há poucos meses. Mas ninguém dá a mínima para isso né? De qualquer maneira, vamos lá.

O segundo tiro, enquanto os seguranças e o algoz de Bento XVI brigavam no chão, atingiu um colega que também havia sido convidado para o encontro. Ele viera da Bahia e era evangélico fervoroso, devoto de um deus chamado Edir Macedo. Quando percebeu que a bala o atingiu, só deu tempo de dizer “me ajud . . .”.

Em meio à confusão criada e o corre-corre de pedestres e curiosos, alguém teve a brilhante idéia de ligar para uma ambulância. Enquanto os médicos não chegavam, a multidão começou a se aglomerar para ver o que tinha acontecido com aquele homem, sem saber quem era.

Por uma força divina ou falta de preparo do assaltante, o tiro não acertou em cheio a testa do pontífice. Olhando com mais atenção, todos perceberam que a bala, apesar de tê-lo atingido, não havia feito muitos estragos. No entanto, sem muita explicação lógica, Bento XVI perdia muito sangue com o ferimento.

Quis o destino ou não – se que você me entende – que um médico estivesse passando pelo local onde tudo aconteceu bem naquele momento. Quando viu os dois homens no chão feridos, o profissional anjo da guarda – com o perdão da piada – examinou os dois e decretou: o evangélico havia morrido mesmo e o papa ainda tinha chances de sobreviver, caso recebesse o socorro adequado rapidamente.

Durante tudo isso que estava acontecendo, praticamente todo mundo ali já tinha ligado para o resgate, Bombeiros, Polícia Militar e por aí vai. Entretanto, até aquele momento nenhum deles havia chegado, apenas os curiosos - que a cada segundo tinha a quantidade quadruplicada, principalmente quando o comentário geral de que o papa havia sido atingido começou a correr de boca em boca.

Passados dez minutos, nada de ambulância e médicos para prestar socorro ao homem santo. A poça de sangue aumentava de tamanho assustadoramente, e a roupa do médico “passante” já estava totalmente tingida de vermelho. Ele dizia que a situação estava ficando crítica, porque sem os equipamentos necessários não dava para fazer muita coisa para salvá-lo.

Imaginar que uma ambulância chegaria onde estávamos - no centro da cidade, próximo das seis tarde - rápido para salvar alguém, é bem difícil. E foi exatamente isso que aconteceu. Depois de vinte e três minutos, os médicos finalmente apareceram com todo aquele aparato.

Aplicados os primeiros-socorros e os procedimentos básicos para casos como aquele, nada do Bento XVI reagir. Os profissionais ainda tentaram salvá-lo, continuando com aqueles exercícios e esforços que estamos acostumados ver em filmes por uns dez minutos, e nenhuma reação.

A esta altura, todos estavam desanimados e ninguém mais acreditava que o quadro poderia ser revertido. Muitos ali, principalmente as senhoras, começaram a tirar terços das bolsas e rezar o Pai Nosso ininterruptamente. Por mais fé que todos tivessem – não importa fé em quê – nada adiantou. O papa estava morto. E o que é pior: tudo acontecera no Brasil, tido como o maior país católico do mundo.

Como era de se esperar, a comoção tomou conta de todos, nem tanto pela questão religiosa, mas mais pela situação irônica/absurda/surreal ou qualquer outro adjetivo que se enquadre. Mesmo com o veredicto dos paramédicos, ninguém arredou o pé do local. Poucos minutos depois, toda a Imprensa já estava filmando/fotografando/entrevista/ouvindo e especulando o que havia acontecido com o pontífice.

Os desdobramentos do fato são fáceis de adivinhar: comoção pública, choradeira geral, lamentações e secretários de segurança e políticos em geral combatendo – somente nos programas televisivos – a violência que assola as cidades brasileiras.

Algum tempo depois, já com a história meio esquecida pela mídia, divulgou-se um laudo médico que dizia o seguinte: morte por falta de socorro imediato.

Diante disso, a única conclusão possível é que o papa foi só mais uma vítima do trânsito caótico que enfrentamos todos os dias.