28.11.06

Como se cria uma notícia

Por ironia do destino e ação de forças convergentes presenciei uma manifestação de estudantes contra o aumento da passagem de ônibus, metrô e trem, em São Paulo, de R$ 2,10 para R$ 2,30.

Estava passando pela avenida Brigadeiro Luís Antônio quando percebi uma grande quantidade de policiais para todos os lados. Um pouco mais adiante estava um caminhão de som com, no máximo, umas 10 pessoas em cima gritando palavras (isso é redundante?) de ordem contra o prefeito paulista, Gilberto Kassab (PFL). Acompanhando o caminhão estavam alguns “estudantes” (eram bem poucos mesmo, peço até desculpas por não ter contado, mas realmente não deu).

Bem na hora que eu emparelhei com o protesto, o carro parou e colocaram duas reproduções de catracas de ônibus feitas de papelão na rua. Os “estudantes” ficaram pulando as catracas cantando uma música da banda Tihuana (Pula! Pula! Pula a catraca pula!) numa livre adaptação horrenda (não que a música original seja boa).

Já havia percebido antes, mas nessa hora olhei com mais atenção e notei que havia, proporcionalmente, mais policiais e imprensa do que manifestantes. Na mesma hora fiquei pensando no tamanho da repercussão que o protesto teria no dia seguinte pela quantidade de repórteres que estavam lá. Rádio, televisão e impresso. Todos marcaram presença. O rádio provavelmente ao vivo com inserções nos programas matinais. A televisão com links na hora do almoço e os meios impressos com fotos na capa.

Quem acompanhar a cobertura pela imprensa vai achar que foi uma grande mobilização e que todos os estudantes da cidade protestaram contra o aumento. Acredito até que isso seja o desejo da maioria, mas há uma grande distância entre o pensar e o agir.

Certa vez, quando trabalhava em jornal, cobri uma manifestação com o mesmo objetivo. Era numa cidade bem menor do que São Paulo, mas não tinha muita gente preocupada com o aumento da passagem. A maioria estava “protestando” para matar aula, jogar truco e beber vinho. Uma cena lamentável.

Voltando à demasiada cobertura da imprensa, não sei por que tanto alarde para nada. Não posso dimensionar o tamanho que isso merecia, mas pela quantidade de carros de imprensa que acompanhavam o caminhão de som, achei tudo muito exagerado.


PS: posso queimar a língua porque estou escrevendo este texto no dia 28/11, dia da manifestação, e não assisti televisão até agora (21h32) e dificilmente vá assistir. Ainda não sei como os jornais de amanhã, dia 29/11, vão tratar do assunto. Mas arrisco dizer que eles, com certeza, vão “criar” uma notícia.

20.11.06

Queimando a língua

Numa rara, raríssima, extremamente rara, super-hiper-mega-blaster rara (já chega que está ficando chato) exceção assisti a um filme de róliude, e, por mais arrependimento que essa afirmação pode causar, GOSTEI. Não lembrava quanto tempo fazia que não assistia nada vindo dos grandes estúdios estadunidenses (porque americanos somos todos nós).

O filme em questão é (mais uma coisa pra se arrepender) ganhador do Oscar (lê-se como o jogador de basquete e não Óscar) do ano passado: Crash – no limite. Não lembro o nome do diretor e estou com preguiça de pesquisar, mas o filme surpreendentemente é bom. Ele só ganha esse status porque é um filme simples, com um roteiro “óbvio” acerca do preconceito (aqui entenda-se da maneira mais generalizada possível).

O filme é formado por várias pequenas histórias que acabam se cruzando em alguns momentos. Em comum, todos discutem o preconceito contra, principalmente, cor da pele e a etnia das personagens.

Nunca fui àquele país, mas acredito que muito do que está no filme é real. E não é que a dose de “realidade” faça-o ser bom. O que achei bem bacana é a simplicidade do roteiro e de como foi filmado. Não tem nenhuma reviravolta mirabolante previsível e perdida no enredo, muito menos carros que voam ou coisas do gênero.

São histórias sobre pessoas de diferentes classes sociais e etnias, mas que (obviamente) lidam com o preconceito de maneiras distintas. Outro grande mérito é que o filme é carregado de ironia, coisa pouco vista em filmes dos mega estúdios ou pelo menos não entendida para a grande maioria daqueles que assistem aos filmes de lá.

Desta vez eu queimei a língua, mas como coloquei no início é uma em um milhão. . . Estão aí Spielbergs da vida que não me deixam mentir.

14.11.06

Dois (três, quatro, cinco, seis. . .) corpos ocupam (sim) o mesmo espaço

Com certeza esta máxima da física não se aplica ao transporte público de São Paulo. Há muito tempo não andava de metrô no horário de pico, pouco antes das 9 horas da manhã. Infelizmente, esta semana tive que utilizar um dos mais eficientes transportes do mundo, só que na hora errada.

Cheguei à estação do Brás por volta das 8h35 para pegar o metrô sentido Barra Funda. Fui até a plataforma e, como fazia algum tempo que não andava de metrô neste horário, estranhei a quantidade de pessoas apinhadas e amassadas entre as barras de ferro que delimitam o embarque. A organização e a educação é uma beleza de se ver.

Quando o veículo parava, já começava um empurra daqui e de lá. Quando abria a porta, a situação piorava muito. Aqueles que estavam na frente, não “pegavam o metrô”, eram forçados “a pegar”. As pessoas que estavam atrás ficavam falando “empurra, empurra. . .”. Isso porque dentro de cada vagão, a situação não era nada boa. Muita gente lá dentro e pouco espaço para todo mundo.

Posso não ser um lorde inglês tratando-se de educação, mas ver aquelas cenas foi triste. Sei que muita gente tem hora para chegar no trabalho e compromissos “inadiáveis” e tudo o mais, mas empurrar o “próximo” daquela maneira é deprimente. Será que é difícil pensar que se não empurrar vai chegar a sua vez de entrar do mesmo jeito? Juro que não encontro explicação.

Pensando sobre isso e vendo a cena dos aeroportos vi como a questão do transporte é um dos maiores desafios das grandes cidades. Mas, também pensei como aqueles que reclamam de vôos atrasados são privilegiados. Tudo bem que todos têm o direito de embarcar na hora que comprou a passagem e a falha não se justifica.

Porém essas pessoas poderiam fazer um esforço e pensar um pouco sobre aqueles que dependem de algum (mais de um, na maioria das vezes) tipo de transporte público todos os dias para chegar ao trabalho ou voltar para casa. Eu não dependo diariamente e quando preciso já “sofro” um pouco. Agora passar por aquela situação todos os dias deve ser muito pior.