19.12.07

Carta

Se não me falha a memória, eu tinha sete anos na época. Lembro-me de ter acordado muito, muito cedo, por volta das 5 horas da manhã. Acho que era a primeira vez que saía da cama naquela hora. Apesar de achar a novidade boa, no início foi difícil vencer o sono. Com certeza – apesar de não ter muito claro na memória – devo ter tirado um cochilo no caminho, já que o destino era bem longe.

Em determinada altura do caminho, lembro dela servindo Nescafé em uma daquelas garrafas térmicas coloridas. Eu nunca gostei da bebida, mas o marido dela sempre a bebera. Durante o trajeto, na cabine do caminhão, tudo correu bem. Ela, como sempre, tinha o sorriso fácil e era muito falante. Confesso que não recordo os assuntos, mas foram poucos os momentos de silêncio.

Estávamos na estrada quando, ao longe, deu para ver que um cachorro havia sido atropelado. Ao passamos próximo, ela virou o rosto, porque não agüentava ver aquela cena.

Esta viagem foi para Itu e até hoje lembro como uma das coisas mais legais que fiz na infância.

Entre tantas outras passagens, lembro-me dela na praia também. Eu, muito mais novo do que sou agora e começando a pegar onda, só tinha um pensamento naquela época: estar na praia, não importava como.

Quantas vezes chegava à casa dela em Boracéia, sem avisar, e era bem acolhido. O fato de ficar o dia inteiro pegando onda dava uma fome fora das proporções normais. Sempre que voltava para a casa, lá estava algo para eu – e quem mais estivesse comigo – comer. Tudo pronto e muito bem feito, ainda que o tempero e a forma de preparo fossem bem diferentes da comida que minha mãe fazia. No entanto, não sei exatamente se pela novidade no sabor ou pela fome mesmo, comia muito e de tudo um pouco.

Sei que poderia descrever muitas outras passagens com ela. No entanto, essas duas ocasiões servem perfeitamente para explicar um pouco o seu jeito, sempre sorrindo.

Infelizmente nunca mais verei essa cena, pelo menos não presencialmente, já que ela se foi. No entanto, tenho certeza que essa imagem jamais será apagada das minhas lembranças, assim como aquela viagem para Itu.

E – peço desculpas para aqueles mais próximos – é exatamente esse sorriso e a aura de felicidade que quero ter para sempre na memória, por isso não estou presente no último adeus.

Um comentário:

Fernando Shoiti Schatzmann disse...

Ninguém quer ser lembrado pelo sentimento de perda, e sim por todos os momentos agradáveis que conseguiu proporcionar a todos que ama.